Foz - Foz

Paraguay, Argentina e Brasil, uma volta saindo e voltando da triplice-fronteira.
Fixed Gear/Single Speed/Gravel 1560km 9260m 14 7 6 set 2019

Nos juntamos em Foz do Iguaçu um dia antes, já que éramos de outras cidades e até país, para organizar nossas bolsas e bicicletas: cinco fixas, uma single speed e uma gravel.Partimos um pouco tarde, atravessando a Ponte da Amizade sem muita burocracia em direção a Assunção com o sol castigando e muito vento. Esse foi o clima de toda a viagem, sem uma gota de chuva.

Demoramos três dias para completar essa primeira etapa com uma boa altimetria e dormimos em duas igrejas de pequenas cidades na beira da estrada, assim conseguíamos um bom teto para usar nossos sacos de dormir, isolantes térmicos e fogareiro para passar o café ou a janta, além de um banho gelado. A primeira estava em reforma, mas achamos o padre de calção e sem camisa mexendo no computador numa mesa no jardim, e logo nos cedeu uma sala da igreja onde os eventuais peregrinos dormiam. Deviam ter umas doze camas beliches um tanto empoeiradas, chuveiros e um bom jardim pra conversarmos.

Já na segunda, após um dia de pedal intenso e um café da manhã que virou almoço na beira da estrada, quem nos ajudou foi uma freira, que, ao fazermos uma cara de pobres coitados, prontamente ligou para o padre, que nos liberou uma grande sala vazia. Nessa, tinha uma escola ao lado, então, logo cedo, havia muitas crianças querendo conversar e saber o que estávamos fazendo por ali. Subiram nas bicicletas e levaram um puxão de orelha da professora. Na sequência, partimos pra movimentada capital: estrada boa, muito sobe e desce, tempo quente e muitas paradas para descansarmos e manter o grupo próximo um do outro.

Chegando à cidade, demos uma volta e procuramos onde comer qualquer coisa que fosse barato e um lugar para dormir. Durante a noite, ainda caminhamos um pouco pelo centro para conhecer a cidade e beber alguma coisa.

Não levantamos tão cedo, já que estávamos em um hostel com boa cama, e dormimos tarde. Bem alimentados e organizados, seguimos rumo ao sentido sul do Paraguai, costeando o rio Paraguai. Depois de alguns quilômetros de alto fluxo de carros e caminhões saindo da cidade, entramos numa rota tranquila, mas com o asfalto muito ruim no começo, onde ainda havia um pequeno fluxo de caminhões da área industrial. Chegamos a um asfalto novo. Ficou perfeito para pedalarmos por muito tempo mesmo com sol e sem lugar para descansarmos, até que, faltando 25km para a cidade de Alberdi, o asfalto acabou, pois estava em fase de construção. No lugar dele, uma estrada de chão com maquinários e muito esburacada surgiu, já que alguma patrola de rolo dentado deixou tudo daquele jeito. Foi o pior trecho da viagem, e demoramos muito até à entrada da cidade.

A ideia era só passar por Alberdi e pegar a balsa para Formosa, do lado argentino, mas acabou que a balsa já tinha fechado, então fomos procurar abrigo na igreja da cidade. Lá encontramos o padre César, que é brasileiro, anda de bicicleta por tudo, nos recebeu muito bem oferecendo uma sala nos fundos da igreja e de tomarmos banho na sua casinha enquanto nos dividíamos em fazer a janta. Ele ainda nos ajudou na travessia no dia seguinte, sempre com bom humor, contando a história da cidade, de que os bombeiros trabalham mais com a retirada da água do rio que transborda no período de chuva do que com fogo, e falando coisas que, pelo fato dele ser padre, ficavam muito mais engraçadas, como a questão de ele não poder comer amendoim, ou dizer “Deus lhe pague” para a comunidade, pois ele não tinha dinheiro. A cidade toda adora ele, e nós também.

Passada a balsa e vendo a diferença estrutural/econômica do outro lado, tomamos outro café reforçado e logo saímos de Formosa, onde a estrada era mais monótona, com retas infinitas e poucos lugares para parar na estrada e beber alguma coisa, muito vento e praticamente sem acostamento, o que dificultou um pouco. Foram dois dias inteiros assim pela rota 11, dormindo num lugar horrível com barulho de bicho, mas foi engraçado. Certa hora do segundo dia, resolvemos pegar um atalho e caímos numa viela de chão batido com uma pilha de ossos de bois, de urubus, de um porco gigante, muito lixo e pequenos barracos até que pegamos o atalho do atalho e voltamos pra estrada, a rota 16, até chegarmos a Corrientes, que tem uma praia no rio Paraná com uma ponte gigante e uma praia na entrada da cidade. Nos instalamos num hostel, e ainda deu tempo de dar uma boa caminhada pelo centro e pelo parque, que estava bem movimentado por causa de alguma festividade.

A partir disso, começamos a repensar o trajeto que não estava tão atraente e voltarmos pro lado paraguaio, na represa Yacyreta. Ficamos na dúvida se era permitido a travessia e passamos um bom tempo conversando, enquanto cozinhávamos um panelão de arroz com lentilha na lenha em outra igreja. Mas jogamos pra sorte decidir, na manhã seguinte, o que aconteceria: fomos barrados. Apenas carros podiam passar. Nem mesmo motos, pedestres, caminhões ou ciclistas. Depois de um bom tempo esperando e tentando, conseguimos uma carona numa camioneta de um funcionário da hidroelétrica, colocamos as bicicletas na parte de trás, enquanto alguns carimbavam os passaportes, e nos apertamos (não sei como) dentro do carro.

Então seguimos nosso rumo. Fomos costeando o rio Paraná até a cidade de Coronel Bogado. A estrada ruim, com muitos buracos e alguns metros abaixo do nível do rio – enquanto tinha uma pista nova bem na beira, mas na qual não era permitido trafegar. Em algum ponto da estrada, subimos o barranco para admirar a vista e descansar, curtindo a imensidão da água, até chegarmos à cidade para direto procurar o padre.

Fizemos um pedal menor que a média até a cidade de Encarnación, onde, do outro lado do rio, dava para ver Posadas. Já em direção ao norte, passamos por outra balsa em Bella Vista para o lado argentino e, por acaso, conhecemos um casal de gaúchos amigos do padre César, de Alberdi, que involuntariamente nos facilitou a burocracia da revista na divisa, pois os guardas desencanaram com tanta conversa em volta. Seguimos pedalando pela rota 12 e depois pela rota 14.

Aqui a estrada voltou a ter grandes subidas e descidas, e a paisagem da vegetação era bem agradável. Passamos uma noite em Jardim América numa igreja com um padre polonês que cuidava há quinze anos da paróquia da cidade. Na verdade, essa foi a terceira opção de pernoite, pois tínhamos tentado outra igreja, cujo padre, depois de muita espera, recusou, por telefone, a estadia – sendo que estávamos na frente da sua casa –, e os bombeiros nos ofereceram um lugar ruim para acampar, infelizmente.

Depois de um bom desjejum oferecido pelo polaco e risadas com os ovos desenhados com canetinha enquanto arrumávamos a cozinha, o padre ainda chamou um amigo da rádio local para contarmos da viagem e puxar o saco dele. Seguimos até chegarmos à cidade de San Vicent, comemos e acabamos no centro, onde estava rolando a festa de aniversário da cidade com apresentações de músicas tradicionalistas, cheio de gaita e violão. Estava todo mundo olhando pra gente, parecíamos uns ET’s, e ainda, entre as apresentações, nos chamaram pelo microfone do palco para falarmos o que estávamos fazendo. Nisso, um senhor chamado Vicente foi conversar conosco sobre as bicicletas. Disse que gostava de pedalar, falamos sobre a viagem, e ele nos ajudou a conseguir autorização para dormirmos no centro esportivo da cidade, que foi um luxo com boas e limpas beliches, além de banheiro gigante.

No outro dia, como de costume, acordamos cedo, passamos o café, nos despedimos do novo amigo e seguimos em direção a Dionísio Cerqueira no Brasil. A ideia era aumentar um pouco o percurso da viagem, almoçarmos um buffet livre e voltar pro lado argentino. Pegamos mais uns pedaços de estrada de chão no caminho, muito sol como sempre e poucos pontos de parada na estrada, mas com uma boa paisagem. Pedalamos muito. Depois de dormirmos e andarmos 30km por aqui, voltamos de barriga muito cheia pro lado hermano pela cidade de Santo Antônio e pedalamos em direção a Foz para completarmos o ciclo. Com uma estrada muito boa e um pouco de serra, chegamos a Cabure, que é um pequeno vilarejo. Tinha quase nada em volta e já começava a entardecer, sem iluminação na rua.

Vimos uma escola e, antes de terminarmos de pedir abrigo, o caseiro já estava abrindo o portão. A escola estava no processo final de construção, tinha uma sala só para nós, janelas com mosqueteiros e ventiladores. Fizemos uma janta na lenha nos fundos do pátio com o camarada, que passou a madrugada ouvindo rock no seu radinho, enquanto dormíamos. Durante o percurso todo, foram seis igrejas, o ginásio esportivo, essa escola que estava terminando de construir, além dos hostels, que pagamos para nos organizarmos e dormir um pouco melhor.

Acordamos cedo já falando que faltava pouco para acabar, mas antes entramos na parte do Parque Nacional Iguaçu. Chão batido com muitas pedras e barro seco, já que não chovia há semanas na região, e vegetação fechada. As poucas pessoas que vimos sempre perguntavam da onça que até agora não apareceu. Demoramos a manhã toda para atravessar, alguns pneus furados, água acabando e sem ter onde repor, mas motivados por ser a reta final. Ainda tentamos um atalho clandestino, passando por dentro da área das cataratas, mas tantos ciclistas de bretelle e capacete surgindo da floresta chamou um pouco a atenção dos guardas, que nos escoltaram para dar a volta por onde entramos.

No finalzinho, ainda tivemos um bom pedaço de asfalto com fluxo de carros já mirando a fronteira. Passamos pela alfândega rapidamente e conseguimos arranjar uma boa confusão com a polícia por conta das bicicletas no “Duty Free Shop” antes de, enfim, atravessarmos a ponte e comemorarmos em um bom buffet livre no centro de Foz do Iguaçu (teve gente passando mal de tanto olho grande) e explorarmos um pouco a cidade, depois de duas semanas comendo o que tinha pela frente na estrada ou usando o guerreiro fogareiro.