Saigon - Bangkok

Uma viagem ao sudeste asiático, cruzando Vietnam, Camboja e Thailand.
Fixed Gear/Single Speed 1100km 3480m 15 10 fev 2019

Esse role foi fomentado há alguns anos quando catei minha mochila e bicicleta com mais dois amigos e fizemos uma euro trip de três meses do jeito mais do it yourself possível, arranjando contato com pessoas até então desconhecidas de um dia pro outro e trocando o almoço pela janta. Nisso, pedalando por Hamburgo, conhecemos o pessoal da Hardbrakers, que andava no mesmo role de bike que a gente, e mantivemos esse contatinho, até que, dois anos atrás, eles vieram pro Brasil fazer um pedal SP-RJ, e a amizade fortaleceu. Com o convite feito pra um role partindo do Vietnã, atravessando o Camboja e voltando pela Tailândia, formamos um trio de brasileiros a encarar essa pedalada por terras asiáticas.

Fizemos o corre das passagens e estampamos umas camisetas da Velodeath pra arrecadar uma grana e ajudar nos custos, ainda mais que só o valor da passagem nos fez pensar muitas vezes se íamos ou não. Bicicleta conferida e bolsas presas com o mínimo possível. Levei três cuecas, duas camisetas, alguma coisa de higiene pessoal, saco de dormir e ferramentas. Geral foi bem mulambento mesmo, não iamos ficar carregando peso de roupas à toa por quinze dias. Sujou, limpou. Foram quarenta horas em três aviões até chegar em Ho Chi Minh (Saigon). Na saída do aeroporto, já levamos um susto: pensa num monte de gente, muito mais do que a rodoviária do Rio no carnaval. Nos perdemos uns dos outros já na porta do aeroporto, mas logo arrumamos um canto pra montar as bicicletas e fomos ao encontro dos alemães.

Uma quadra depois e nunca vi tantas motos juntas, e praticamente sem leis de trânsito. Talvez a única regra fosse não morrer, já que tanta gente andava na contramão, cruzando onde não podia, furando sinal, criança pilotando, carregando geladeira, bicho, pedestre sem hesitar em atravessar no meio de tudo, e ninguém batia em ninguém. Era um monte de buzinas combinadas com a baixa velocidade média das motos que dava certo.

Depois de um tempo, encontramos o pessoal no centro da cidade e comemos rapidamente, pois tínhamos marcado com uma turma da bike de fazer um role à noite para conhecermos a cidade. Devia ter umas quarenta pessoas, todas bem jovens e com boas bicicletas. Poucos falavam inglês (eu também não falo grande coisa na real), então imagina a comunicação num lugar com uma língua oficial muito diferente e outro sistema de letras. Nem lembro o nome de ninguém, pois não conseguia entender e muito menos pronunciar corretamente, mas sempre aprendíamos a dizer “oi” e “obrigado” por onde passávamos durante a viagem. Pedalamos com eles até de madrugada e paramos para conversar e beber com alguns deles. Antes que você imagine algo, já aviso que é extremamente proibido fumar a erva de Jah por aqueles lados, com penas muito rigorosas.

Antes de começar a viagem de fato, já tiramos um dia de folga para conhecer a cidade. Saímos a pé em busca de comida pelo centro num mercadão, tipo os nossos, mas um pouco mais diversificado no quesito carne. Tinha muitas frutas e verduras também, mas uma banca com larvas e tripas sem muita higiene chamava mais atenção do que uma bergamota gigante. A questão da alimentação foi bem foda, pois tenho uma dieta vegetariana restrita. Havia opções, mas era difícil a galera entender “no eggs” e “no meat” mesmo usando o tradutor na língua deles. Teve vezes que perguntava alguma coisa e eles respondiam sim, então eu repetia a pergunta e eles diziam não. Com sorte tinha foto no cardápio.

Fugimos do centro em direção à periferia. Primeiro colocamos nove pessoas(?) num táxi e fomos em direção ao monumento do monge Duc, que ateou fogo no seu corpo em protesto ao regime antibudista em 1963 (dá uma pesquisada ai amigx, bem foda) e de lá entramos no primeiro ônibus que vimos, sei lá pra onde, e já deu uma confusão. O motorista achou que estávamos invadindo só porque entramos por trás, a galera do busão rindo da gente e nós deles, a pessoa que cobrava não entendeu nada, mas deu certo e descemos em algum lugar da ponte pra lá, com mais ambulantes e feiras na rua, e muita gente gritando e abanando, enquanto íamos nos comunicando na base das bebidas que nos davam.

Foi muito foda ter ido pro outro lado da cidade, pois deu pra sacar como a coisa realmente funciona. Todos numa missão fazendo o seu corre em cima das motos ou nos comércios, um fervo. Muitos vizinhos reunidos em frente às suas casas, comendo e bebendo enquanto as crianças brincavam. À noite ainda demos uma pedalada pra reencontrar alguns dos que conhecemos numa loja de bike. Aproveitamos pra dar uma conferida e deixar tudo certo e jantar bem. Como era tarde e sempre procurávamos gastar pouco, meu jantar bem foi arroz, cenoura e pepino, acompanhado de um chá verde muito estranho (pra não dizer ruim).


Chegado o dia em que começamos o role de verdade, finalizamos nossas bicicletas com as bolsas e roupas. Demorou um pouco para nove pessoas se arrumarem, pois sempre tem o que acorda por último, mas conseguimos. No começo a estrada era grande e bem movimentada de motos e de pequenos caminhões, mas no segundo dia já eram vias bem menores com casas que ficavam entre a estrada e o rio, então a parte de trás delas ficava em cima de colunas de madeira muito altas por conta do período de chuvas intenso no meio do ano. A rua era extensão da casa deles, com as mesas pro lado de fora nas ruas mais calmas.

Fizemos um trajeto sentido ao sul do Vietnã, passando pelo Delta do Mekong, então tinha muitas pontes e balsas no caminho. Esse foi o trajeto mais legal de pedalar, pois estávamos em estradas pequenas e mais afastados das cidades, e o povo mais receptivo. Acho que todas as crianças nos davam “hello” no Vietnã (um não, vários) e os adultos feliz ano novo, pois no calendário chinês o ano do porco começou na primeira semana de fevereiro (2019). Com isso, tinha muitas flores nas ruas e feiras para comemorar.

Todos os dias de pedalada foram de 110km a 240km, dependendo do que planejávamos sobre a próxima cidade ou se sabíamos que teria algum hotel de beira de estrada. Parávamos de hora em hora pra tomar muito caldo de cana, que era muito barato, e isso nos dava um gás para pedalar mais. Custava R$1,50 um copo gigante com muito gelo e a água menos ainda. Tinha a lenda de não beber água da torneira, que podia fazer mal, mas depois de três dias eu fiz de conta que não sabia disso. Quando era algum comércio maior, almoçávamos um arroz ou lamen ou alguma coisa que entendíamos a embalagem. Era muito barato qualquer coisa no Vietnã e até quando era caro tava barato. Num dos dias, entre balsas e pontes, pegamos trechos de barro e pedregulhos. Nisso, tivemos um pneu furado que normalmente duraria dez minutos para reparar, mas demorou mais de hora, porque um senhor foi espiar o que estávamos fazendo com uma jarra de algum destilado deles e nos ofereceu.

Não rolou conversa, mas todo mundo estava se entendendo, foi chegando mais vizinhos, trouxeram frutas, cerveja, foto, todo mundo rindo. Colamos adesivos nas bicicletas das crianças e seguimos viagem. Paramos vinte minutos depois pra comprar algo, e outras pessoas nos chamaram pra beber. Foi mais uma hora de risada regado a álcool e frutas. Com isso o dia foi caindo e já tinha gente dormindo de doidão na bicicleta. Foi um pouco tenso e muito engraçado, mas chegamos inteiros e um pouco tarde, e logo nos ajeitamos. Tiramos um dia de folga que não estava planejado, pois um dos gringos estava passando mal de pedalar e calor. Queria matar ele (mentira. Será?).

Eu tava louco pra pedalar pra caramba e ia atrasar todo o planejamento, mas a real é que valeu muito! A cidade onde paramos tinha uma feira de rua enorme e era a mais bizarra. Nessa tinha mais variedades nada atraentes, como sapos dentro de bacias no chão, polvos, animais assados inteiros, cachorro, crustáceos, umas frutas diferentes, uns porcos pendurados a noite toda na rua. Mexeu, comeu. Nem se eu comesse carne, eu aceitaria aquele porco, que já devia tá morto há um bom tempo, mas a necessidade e a história fez a fome por aqui. Ficamos de role até tarde vendo a movimentação intensa da cidade e demos até um role de moto em troca de tirar foto com uma turma. Foi bom que eu e mais dois estávamos perdidos e os caras levaram a gente até o hotelzinho que ficamos.

Com o time recuperado, mas nem um pouco descansado, seguimos e, faltando alguns minutos para entrarmos no Camboja, fomos parados pela polícia vietnamita (de moto, é claro), porém nenhum deles falava inglês e ninguém se entendia… até que apareceu um cara que nos ajudou. Fomos escoltados até o que seria a delegacia deles, onde também ninguém falava inglês, mas entendemos a parte do passaporte. Fiz o visto deles antes de viajar, teoricamente estava tudo certo. Depois de um tempo, o cara que nos ajudou na rua apareceu lá e salvou a gente na tradução. Nisso, o delegado, que parecia que estava em casa de chinelo e calção, falou que não podíamos passar por ali, apenas pessoas locais. Já tínhamos perdido uma hora do nosso dia nesse papo furado e ainda tivemos que voltar um bom pedaço e fazer um caminho maior. Não teve sentido nenhum, mas não íamos discutir, só queríamos sair logo e beber mais um caldo de cana. Eu ainda tentei brincar com um cassetete que estava no mesão, mas ninguém achou graça.

Chegando na fronteira: mais problemas. A polícia pediu o visto dos alemães para entrar no Camboja, que teórica e legalmente eles não precisavam. Eu e os outros brasileiros já tínhamos feito esse visto também antes de viajar e estava certo. Pros alemães entrarem tivemos que ir em outra fronteira pra fazer um visto eletrônico, então pedalamos por um tempo e pegamos mais um balsa pra agora a polícia ferrar com a gente: fizeram pagar por outro visto, pois o que eu fiz ‘’não valia’’ e lá se foi mais uma grana que nós brasileiros tínhamos guardado. Pagar em dólar é foda.

Perdemos muito tempo nesse dia com todo esse rolo de polícia e imigração e saímos correndo, pois faltava muito pro lugar onde dormiríamos, e o sol já estava se pondo. Passando a fronteira, a paisagem mudou um pouco: as casas eram altas do chão, como se fosse uma garagem embaixo, a vegetação não era tão fechada e tinha menos motos. Quase nada na real. Tinha muitos templos budistas pela estrada e assim foi por todo o Camboja: alguns gigantes, outros escondidos no meio do mato. Seguindo, chegamos em alguma cidade aleatória com um parque de diversão que era o point da galera: som alto, geral bebendo e roda gigante bombando.

Faltavam 60km ainda, e o gringo que já tinha passado mal se entregou pra Jah. Fodeu! Não tinha onde dormir direito, estávamos sem comer o dia todo, e o cara não aguentava mais pedalar. Na real, todo mundo tinha saco de dormir e colchão, mas a ideia era só usar quando realmente precisasse e não tivesse achado algum abrigo antes. Nisso, passa um cara com uma moto que tinha uma armação de ferro atrás e negociamos com ele para nos levar até a cidade. Foi bem difícil negociar, papo de uma hora, e ele só aceitou por um valor alto e sua filha ,que falava inglês, pedir muitas vezes para ele. Colocamos as nove bicicletas montadas com as bolsas mais a gente, tudo amontoado em cima da motinha. Descemos poucos quilômetros da capital Phnom Penh, e ali era outra realidade. Estávamos na motinha numa estradinha sem luz e do nada aparece um monte de prédios, uns carros que custavam milhões e um arco muito bonito no meio da avenida. Achamos um canto pra comer e finalmente descansar. No outro dia, pedalamos pela cidade, fomos num templo super lotado e não ficamos nem dez minutos nele. A cidade toda cheia de gringo, e os preços em dólar movimentando muito o turismo, então não foi tão proveitoso o role nesse dia, mas descansamos legal.

Nos planejamos pra seguir até a cidade de Siem Reap, dois dias de pedalada. Sempre acordávamos cedo para fugir um pouco do sol que era intenso, descansando cinco horas por dia. Dormir a gente dorme em casa. Foram muitas paradas pra se refrigerar e beliscar alguma coisa, quase nada de internet e sempre aquela missão para entender o povo.

As pessoas gostavam de interagir com a gente, mesmo que fosse difícil, e isso era legal! Logo na saída da capital, entramos num templo bem grande, com uma estátua do Buda gigante. Não tirei foto, pois alguém falou de uma lenda muito louca que iria acontecer algo de ruim numa próxima vida. Pra não chatear o amigo, desisti de registrar o momento. Entre esses dois dias, dormimos num hotel que tinha um restaurante grande no térreo com batata frita, então deu para fazer a festa e dar uma boa dormida.

Chegando em Siem Reap, o movimento de carros foi aumentando. Por conta do templo Angkor Wat, tinha muito turista. Ele é a maior estrutura religiosa já construída, então imagina quanta gente quer ver a parada. Na tarde em que chegamos, ficamos mais ao centro, muitos bares e comércio em geral. Tudo em dólar. À noite fomos numa baladinha, ruas agitadas, galera ficou na loucurinha e na saída deu até pra arranjar briga. Fortes emoções. Durante a noite também, um dos nossos porcalhões jogou uma latinha no chão e um moleque de uns doze anos que estava vendendo uns escorpiões fritos nos xingou, perguntando se estávamos em casa jogando lixo na rua, “this is Camboja, man!!!”. E com razão, a cidade cheia de turista e geral fazendo sujeira.

No outro dia fomos no templo. No começo desistimos, pois é caro pra entrar lá e tem muita gente. Depois resolvemos dar uma pedalada em volta, mas fomos barrados por uns guardas que falaram que só podia se aproximar do templo pagando ou depois das 17h, quando fosse fechar. Como pra tudo na vida tem um jeito, voltamos mais tarde.

O templo tava fechado já e só tinha pessoas saindo. Então precisou daquela malandragem pra entrar pela saída, se fazendo de desentendido. O templo é muito grande, não deu tempo para ver ele inteiro. Normalmente as pessoas passam o dia todo lá, ainda mais que é um complexo de estruturas enormes. Mas foi uma hora muito bem aproveitada, vendo a arquitetura dele, cercado por um lago, esculturas gigantes, tudo no meio de uma floresta. Tinha até uns macacos no meio da galera, e como estava no fim do dia, rolou um por do sol bem foda.

Saímos já à noite pela estrada da floresta e voltamos ao centro da cidade. Ainda tinha a missão comida pra desenrolar antes de dormir, e nesse dia me dei bem. Encontramos um lugar que tinha muita comida vegetariana. Acho que foi a melhor refeição da viagem, além de ser um espaço legal. Nessa noite não economizamos tanto e rolou até sobremesa. Acordamos pra missão Tailândia. Como um dos gringos se entregou de novo pra Jah, pois não aguentava mais pedalar, e nós não íamos deixar o amigo pra trás(mas deveríamos. Mentira.), pegamos um micro ônibus até um pedaço da viagem em direção à fronteira. Foi bom para recuperar um dos dias de folga que não tínhamos planejado também. Já na fronteira demoramos muito nas duas alfandegas, mesmo não precisando de visto, pois tinha muito turista e um questionário chato pra preencher.

Paisagem mudou de novo: mais mata, estrada boa e larga de mão contrária, poucas casas, mas todas bonita$. Dava pra ver que a galera tinha mais estrutura. Nesse trecho pegamos as primeiras subidas e descidas da viagem. Já que andamos de bicicleta fixa, quando tinha alguma descida grande, íamos pro meio da via e surfávamos sem os pés no pedal. Foi o melhor trecho de pedalar no quesito estrada. Pegamos até uma ciclovia gigante num trecho costeando um rio e vimos o mar pela primeira vez no role sobre uma ponte irada. Como havíamos pegado o micro ônibus de madrugada e passamos o dia pedalando, estávamos exaustos. Seguimos em direção a um algum lugar para descansarmos enquanto já estava escurecendo, mas como já era litoral e, consequentemente, turístico, estava tudo lotado. Passamos por alguns lugares tendo casamentos, festas e afins, e nada de um lugar para dormir. Resolvemos pedalar mais alguns quilômetros à noite até a próxima cidade, que foi bem legal com mais umas descidas íngremes com vegetação fechada em boa estrada. Óbvio que os brasileiros estavam com pouca iluminação, então ficamos na volta dos outros, até que achamos um bom lugar para pousar e um lugar horrível para comer, mas sempre é legal jantar de galera e planejar o próximo passo, com boas risadas.

A meta do dia seguinte era chegar em Rayong e ficar um pouco na praia. Ir pra Tailândia e não molhar a bunda no mar iria ser vacilo, principalmente com o pessoal da Hardbrakers, que mora em Hamburgo. Pegamos a estrada bem cedinho, mas antes passando num 7 Eleven, que era um mercado de conveniência 24h que tinha na estrada quando era mais cidade, pra comer alguma besteira e muita água. Acho que entrei nuns trinta desse nos postos de gasolina durante o role. Esse dia foi bem tranquilo. Como saímos cedo, não pegamos tanto sol. O caminho era agradável, passando por pequenos vilarejos. Cachorro atrás da gente. Achamos uns lugares legais pra descansar um pouco e comer até que chegamos no início da tarde na praia. Nos programamos pra ficar um dia a mais de bobeira.

A praia era muito bonita, mar calmo e cristalino, temperatura agradável, paisagem bonita, mas muito suja. Enquanto estávamos no Vietnã e Camboja, havia muita sujeira por toda a estrada, pessoas jogavam lixo nos rios e nas ruas, mas na Tailândia até então estava bem mais limpo. Não é a toa que tem praias paradisíacas interditadas por conta do turismo. Mas deu pra aproveitar bem, brincar com os cachorros e trazer uma conchinha perdida pra casa. Tinha também um prédio inacabado de uns trinta andares abandonado em frente a praia, onde subimos pra curtir o por do sol no telhado. Brutal.

Saímos às quatro da madrugada no nosso último trecho rumo a Bangkok. Esse era o maior percurso da viagem e tínhamos um pouco de pressa pra chegar lá. Alguns minutos depois e entramos em uma via gigante, e foi isso o trecho todo. Bem cansativo, muito calor, caminhões na estrada. Nesse dia também furamos muitos pneus, o que quase não tinha acontecido até então, e arrastou um pouco mais a viagem. Desviamos um pouco o percurso pra visitar um parque/templo com estátuas gigantes retratando como seria o inferno com os vícios humanos. Tinha umas bem doidas de corpos humanos com cabeça de animais pregando os castigos de beber, roubar, maltratar, abusar e tudo de errado, em pessoas com seus órgãos sendo despedaçados.

Faltava bastante para chegarmos e o calor não dava trégua, as avenidas ficavam mais largas, viadutos enormes, mais caminhões e por pouco não sofremos um acidente por conta de uns buracos de esgoto no meio do acostamento. O dinheiro também já estava no vermelho pra ficar bebendo e comendo legal no meio da estrada. Já era fim da tarde quando chegamos. Durante a semana marcamos com um pessoal de nos encontrar para dar uma volta. No outro dia à noite nós já iriamos embora, então tínhamos que aproveitar. Tinha muita gente nos esperando, foi muito foda. Galera feliz que estávamos ali. Saímos pra comer uma pizza num pico da galera da bike seguido de um role já tarde da noite passando pelo palácio do rei, alguns monumentos, as largas avenidas de trânsito intenso de carros com o trem elevado e a baguncinha da cidade. Nesse dia pedalamos uns 240km pelo menos num dos dias mais quentes que pegamos.

Na manhã seguinte nos preparamos pra voltar e demos uma volta mais pelo centro, comemos alguma coisa estranha e fomos nos despedindo aos poucos dos amigos Hardbrakers. Já tínhamos combinado com uns meninos na noite anterior que trabalhavam numa lanchonete/loja de bike próxima ao aeroporto de arranjarem caixas para embalar as bicicletas e terminar de nos organizar. Foi um bom caminho até chegarmos lá no melhor estilo donos das ruas entre os carros, passando por túneis e cruzamentos. Os doido achando que era corrida. Chegando lá fomos muito bem recebidos com comida enquanto desmontávamos as bicicletas.

Que role! Já batendo aquela sensação de fim e de quero mais, mas não posso. Chegando no aeroporto, gigante e muito bonito, achávamos que seria de boa voltar pra casa: nossa escala era em Israel, fizeram mil perguntas pra gente durante uns trinta minutos, separados uns dos outros. Um pouco antes de finalmente entrarmos no avião, nos levaram pra uma sala isolada pra revistar nossa bagagem de mão. Na hora de desembarcar, também: nos levaram junto com um chileno pra uma sala aparte, e saímos por uma porta que nos deixava dentro do aeroporto, mas sem conseguir sair dele. A nossa escala era de 12h (que viraram 14h), e não podíamos conhecer a cidade de Telavive, pois estávamos num limbo. Entramos em todas as lojas, os meninos provaram bebidas, comemos batatas (ou qualquer coisa) que sobravam na praça de alimentação, rimos, dormimos, ganhamos mais comida por conta do atraso e enrolamos até encarar mais algumas horas de viagem.

Chegamos exaustos, suplicando por um prato de feijão e com a cabeça em outro universo. Não teríamos a experiência que foi se não de bicicleta, pedalando mais de mil quilômetros durante quinze dias, vendo os dois lados da coisa. A gringada que chega nas capitais não pega a estrada e os quiosques vendendo gasolina em garrafa pet, a galera que não fala outra língua, as vielas, a senhora fazendo rango com mão, a quantidade de templos e a hospitalidade da galera do subúrbio. Fora que passar perrengue no role fortalece a história e abre as ideias.